sexta-feira, 24 de abril de 2009

SINOPSE (resumo dos contos)


Considerações sobre "QUASE NADA..."


Em se tratando de livros "QUASE NADA..." será a primeira publicação deste Autor, embora já tenham sido lançados em edição artesanal (em xerox) os livretos "Palavras ao Vento" -- de poesias, com 200 cópias, em Belém, 1985/87 -- e um "Quase Nada" com variados textos (músicas, crônicas, poemas, contos, ilustraçes), este último com tiragem de 80 exemplares, entre 1988/1990.
Minha obra atual contém apenas contos, englobando o que de melhor produzí nos últimos vinte anos, boa parte deles com pitadas de non-sense e de absurdo, mas algo também baseado em minha vivência no que ainda resta da outrora exuberante Amazônia, em 26 anos de convivência com suas coisas, pessoas, hábitos e... tradições.



SUMÁRIO
01 - MANJAR CELESTIAL - os primeiros missionários que povoaram o Brasil enfrentaram muitos inimigos; pajés invejosos, costumes adversos, as tentações da carne e também fiéis... canibais. Frei Barnabé Tello lutou para superar tudo isso.

02 - UM PRESENTE ESPECIAL - a vida nos garimpos pode mudar de um dia para outro mas, mesmo assim, sorte e azar são como irmãos siameses... andam sempre juntos !

03 - O IMPASSE - o terreno atrás da igreja-matriz era só um brejo, contudo os dois fazendeiros mineiros vivam às turras por causa dele. Nem o vigário local conseguiu resolver a pendenga. Foi preciso contratar um Juiz de Paz de outra cidade para desfazer o impasse.

04 - TIRO E QUEDA / QUEDA E TIRO - a partir de fatos e notícias do dia-a-dia, principalmente de jornais, surgem minicontos onde o inverossímil impera e a fantasia é mais real que a própria realidade.

05 - A ÚLTIMA CHANCE - jogos de azar são a única oportunidade que a maioria tem de mudar de vida. Um jovem nissei também teve, com a Lotomania, sua derradeira chance. Só mesmo um terremoto (no Brasil?!) poderia arrasar sua sorte.


06 - MERCADORIA DE NATAL - dezembro é tempo de visitar amigos e parentes que não se vê durante o ano inteiro. É Natal... tempo de vender quase tudo, inclusive um filho !

07 - O FANTASMA DO SINO - estradas, à meia-noite, são terreno propício para o surgimento de almas penadas, bruxas e fantasmas. Dessa sina não escapam nem as rodovias amazônicas.

08 - O LABIRINTO - "quem tem um, não tem nenhum", diz velho ditado popular. O aposentado Orinaldo pensava assim, quando invadiu o lote desocupado de um seu vizinho de posses. Recebeu em troca uma lição i-nes-que-cí-vel.

09 - MINIDRAMA EM 2 ATOS - temas distintos em dois minicontos com um pé no fantástico e final-surpresa.

10 - UM SINAL DO ALÉM - os deuses sempre escrevem certo mas nos negamos a ver seus sinais. O "médium" Dr. Nicolau cometeu o maior erro da sua vida ao desdenhar o jovem pivete "Didi". Ah, se arrependimento matasse!

11 - O SAL DA TERRA - finalmente a centenária castanheira tombou, ferida por machados e serras elétricas. Morreram com ela os sonhos e os devaneios sentimentais de meia cidade, soterrados sob cimento e pedras.

12 - O ÚLTIMO PESADELO - curtindo a sesta debaixo de frondosa mangueira o caboclo parauara sonhava feliz. Acordou apenas para assistir ao maior pesadelo de sua existência.

13 - SOLUÇÃO CRIATIVA - definitivamente, o Céu estava uma bagunça e nem o Criador conseguia dar um basta naquela baderna. Então, Deus convocou São Pedro, que intimou São Benedito, que reuniu o pessoal... daí, surgiu a solução!

14 - MANCHETE FATAL - êle "bolara" e executara o crime perfeito. Houve apenas um senão... a manchete fatal !

15 - O "RABO" DO TATU - uma curiosa estória sobre caçadas, tatus, caboclos, seus patrões da cidade e de como preconceitos arraigados influenciam a vida de quase todos, no interior.

16 - CINEMA DE VANGUARDA - êle foi prestigiar o cinema nacional, nos anos 70, num "pulgueiro" em Botafogo. Quase apanhou do "lanterninha" e acabou sendo atropelado pela "carrocinha".

17 - O ETERNO COMBATE DOS VENCIDOS - breve alegoria a respeito da Medicina, sobre médicos e sua luta para salvar vidas.

18 - A ÚLTIMA CEIA - o imperador Nero estava intrigado: seus magnficos leões recusavam-se a devorar escravos africanos. Sua Majestade ordenou que descobrissem porquê !

19 - PAISAGEM AMAZÔNICA - todos se foram, só êle ficou ali, entre matas e águas. Mas, a bem da verdade, nem êle estava lá !

20 - BENÉ, O "DENTE DE OURO" - nas Minas Gerais dos inconfidentes "Bené" era somente um jovem escravo a serviço do ideal de libertar seus irmãos de côr. Até que seu senhor descobriu...

21 - O OLHAR PENETRANTE DA NOITE - a Noite na floresta tem alma, olhos hipnóticos, mãos geladas e sussurra convites aos mais incautos.

22 - REVELAÇÃO DO ANO - o marceneiro desesperançado decidiu mudar de ramo e de vida. Pelas mãos de seu casal de filhos de 10-12 anos virou pintor, artista de renome nacional e, por fim, criou uma ONG milionária para formar no morro outros tantos "gênios" mirins.

23 - UM ASSASSINO EM POTENCIAL - os passarinhos da garotada do vilarejo estavam sumindo misteriosamente. Era preciso achar o ladrão o mais rápido possível... e matá-lo, se necessário.

24 - JARDIM DE SONHOS - metáfora lírica que versa sobre os amores (platônicos ou verídicos) do Autor quando jovem.

25 - "CONTOS" DE UM CANTO... SÓ! - mantendo o "estilo" iniciado em Tiro e Queda, o conto trata de re-visões do dia-a-dia do homem comum, além de textos nascidos das notas & notícias (re)tiradas de jornais e revistas.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

QUASE NADA... (sugestão de capa)


Q U A S E N A D A ...

QUASE NADA... (abertura)

QUASE NADA...

Para que chorar o que passou
e lamentar perdidas ilusões
se o ideal que nos acalentou
renascerá em outros corações.


trecho de "LUZES DA RIBALTA",
(versão de "LIMELIGHT",
de Charles Chaplin)


... no sistema de valores dessa civilização
de sobrevivência compulsiva, o artista é
irrelevante. Êle é encarado como um mero
decorador que nos entretém enquanto
trabalhamos. Como menestrel itinerante, ator,
palhaço ou poeta, êle pode ir por toda parte
porque ninguém o leva a sério.

ALAN W. WATTS

Saia do meu caminho...
eu prefiro andar sozinho,
deixe que eu decida a minha vida.
Não preciso que me digam
de que lado nasce o sol,
porque bate lá meu coração.

BELCHIOR -- trecho da canção
"Comentários à respeito de John"


O livro é como o pólen que se desprega
das flores. Flutua, dança nas mãos do
vento e ninguém pode prever o alcance
de sua fecundação
.
JOÃO DE JESUS PAES LOUREIRO

QUASE NADA -- (dedicatórias)

D E D I C O :

À minha querida VIOLETA, bela "lady" canina com quem vivi por treze longosanos. Dócil, alegre, meiga, educada e até resignada na hora dos banhos, que detestava. Este singelo livro é em sua homenagem !

Aos amigos que fiz em minha modesta existência e a todos os que me ajudaram algum dia... e não foram poucos os que o fizeram.Minha vida seria bem diferente sem a presença deles. Sou-lhes eternamentegrato !

Ao meu irmão mais velho Antônio Carlos, a quem devo a oportunidade de viverno Estado do Pará, região incomum e impressionante, onde o impossível acontece a toda hora... e toda espécie de impossível !

Ao amigo paraense, pesquisador e prof. JOAQUIM ARAÚJO, ao qual agradeçoo apoio (inclusive monetário) recebido, que me permitiu participar de diversos concursos nacionais de contos, produção essa que justifica a realização destaobra.

Ao meu irmão gêmeo Sérgio (ou melhor, Renato), cujo esfôrço diário para sustentara família -- num trabalho incansável nas mais diversas atividades -- possibilitoudedicar-me tão somente aos rabiscos que originaram essas mal traçadas linhas. Sei bem o quanto lhe devo! Muito obrigado por tudo!

Aos srs. TAKAOKI NODA & Família, Eduardo & Sofia NAKAMURA (da Fruteira CEASINHA, no bairro Cidade Nova 4, em ANANINDEUA, Pará) com minha gratidão pela extrema consideração em todos os momentos e também pela valiosa ajuda nas situações mais difíceis.
"NATO" AZEVEDO

HISTÓRIAS COM SEIVA DE BRASIL


HISTÓRIAS COM SEIVA DE BRASIL

Nelson Hoffmann

Como foi não me lembro, mas contaram-me, há tempos:
- Olha! Tem um cara, lá no Pará, que é fã de tuas letras.
Fã? Essa era boa... Quem seria? Passaram-me nome e endereço. O nome, Cincinato Palmas Azevedo, era-me estranho; mais estranho ainda ficou-me o nome da cidade: Ananindeua.
Em todo o caso... É tão difícil encontrar leitor!

Escrevi-lhe. E foi o desate de um turbilhão. Senti-me, de repente, num redemoinho. Fui envolto em rodopio, eu não sabia o que estava acontecendo. Parecia-me alucinação, eu estava sendo arrastado, tragado, para um mundo inexistente.
Sobre mim desabaram informes, informações, notícias, panfletos, recortes, jornais, revistas, excertos, desenhos, cartuns, fotos, cartões, um mundo fantasmagórico. Velho barranqueiro do Ijuí, eu não concebia o mundo que se me apresentava.

E vieram poemas, poesias, trovas, reportagens, crônicas, contos, tudo instruindo-me sobre uma Amazônia que não viajava na mídia oficial. E tudo era-me enviado por Cincinato Palmas Azevedo, grandíssima parte de sua própria autoria. E o que não era, confirmava o autor.
Cincinato Palmas Azevedo é escritor e assina como "Nato" Azevedo. Carioca de nascimento, perambulou por este país quase inteiro. Vida de andarilho e alma de cigano, tanto rodou por aí que, um dia, foi dar com os costados na longínqua Belém do Grão-Pará. Lá, por endereço, fixou a cidade de Ananindeua, na região metropolitana, onde reside.

A formação literária de "Nato" Azevedo é de mundo e não de academia. Suas leituras são de revistas em quadrinhos e de aventuras e nada têm de canônico. De nossa elite intelectual, simpatiza com Monteiro Lobato, Aluísio Azevedo e alguma coisa de Coelho Neto. Prefere Jorge Amado a Machado de Assis. Deste, no dizer do próprio, pode ser que vá levar alguns volumes em meu esquife, talvez assim...
Assim é "Nato" Azevedo, um escritor brasileiro. Veterano de mil peripécias literárias, e outras nem tanto, o autor está lançando “Quase Nada...” , um livro de contos. Este é uma reunião de alguns dos seus melhores trabalhos, muitos já publicados, acrescidos de um bom número de inéditos.

Os contos de “Quase Nada...” espraiam-se pelo Brasil e não são todos rigorosamente contos. Alguns ingressam no terreno da crônica, outros tecem comentários, terceiros adentram o relato de experiências vividas. Mas, todos são histórias que prendem o leitor até o fim. Esta, aliás, uma característica muito forte: o suspense dos textos, sempre com um impacto final.
As histórias de "Nato" Azevedo podem ser distribuídas por três cenários: a) de fundo histórico, b) de ambientação urbana e c) de paisagem amazônica. Alguns outros extrapolam a divisão, o que serve para confirmar a base.

As histórias que visitam a nossa História desenvolvem-se em períodos bem diversos e focam assuntos os mais diferentes. Assim, temos o canibalismo e a atuação missionária dos padres em “Manjar Celestial”, o surgimento do nome da cidade mineira de Juiz de Fora em “O Impasse”, a escravidão e a mineração em “Bené, o Dente de Ouro” e outros. E é de chamar a atenção para “O Sal da Terra”, um belo relato da simbiose terra-gente do Grão-Pará, centrada na árvore-símbolo, a castanheira.
Já na ambientação urbana, as histórias acontecem, de preferência, em cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo. A ação de “Manchete Fatal” desloca-se, em movimento de vaivém entre as duas cidades, o que é fundamental ao desfecho. “A Última Chance”, por sua vez, acontece inteira em São Paulo e foca um problema tão nosso conhecido: a febre das loterias, horóscopos, cálculos, rezas, palpites, benzeduras, mandingas, tudo por uma chance na sorte grande.

Mas, “Um Sinal do Além” e “Cinema de Vanguarda” são destaques da vida urbana carioca. Situadas na década de 70, tem-se reflexos, conseqüências e produtos do regime político implantado em 1964, do início da tevê, da agonia do cinema nacional. A proliferação de seitas religiosas, a massificação da comunicação, a resistência por uma arte nacional é um pouco do muito que aparece. E a total ignorância de nossas elites na apreciação de uma obra artística é desmascarada em “Revelação do Ano”.
O melhor da obra de "Nato" Azevedo, porém, está nas histórias que envolvem cenários amazônicos. Ali o autor é vigoroso e está em casa. Como vem do Sul, tem olhos para ver e ouvidos para ouvir e nariz para cheirar e tato para apalpar e gosto para sentir nuanças que o caboclo da aldeia não percebe. Como tem vida e mundo no lombo e muita argúcia na cabeça, o autor nos conta histórias que raiam pelo absurdo e são de pura humanidade.

A gente sente uma gratificação toda especial com o final feliz de “Um Presente Especial”; participa da epopéia dos transportes rodoviários em plena selva amazônica, com “O Fantasma do Sino”; e sofre a angústia de quem mora nessa “Paisagem Amazônica”.
E o ser humano integra-se/desintegra-se, funde-se inteiramente com a selva, a natureza amazônica, em “O Olhar Penetrante da Noite”. A Amazônia é um redemoinho, um turbilhão que arrebata, prende e engole.

Toda essa temática é trabalhada em estilo intencional do autor. Nada de inovações ou pirotecnias. Sempre um modo narrativo tradicional, naturalista: a interação meio x homem, homem x meio. A realidade é subvertida de forma irônica e, por vezes, acusatória. Mas, é sempre muito brasileira, com seiva de Brasil.
Ainda, um último detalhe: o curioso processo de metalinguagem que atravessa todos os textos. O processo diverte e chama a atenção, servindo de esclarecimento, alerta ou questionamento. É uma bem-humorada e inteligente maneira de prender o leitor e instigá-lo a reflexões não previstas.
"Nato" Azevedo arrastou-me para o seu mundo. Fui sugado como por um redemoinho. E mergulhei numa Amazônia devastada, sofrida, explosiva, primitiva, exuberante, selvagem, judiada, desmatada...
Hoje, "Nato" Azevedo tem um fã em mim.

Autor de "EU VIVO SÓ TERNURAS"
E-mail: nelsonhoffmann@yahoo.com.br

C O N F I T E O R (à guisa de prefácio)

C O N F I T E O R (à guisa de prefácio)

O Latim, tido como língua morta, continua mais vivo do que nunca. Apesar da nossa santa Madre Igreja -- num de seus momentos de "maria vai com as outras" -- tê-lo eliminado de seu dia-a-dia, o que restou do idioma continua por aí, como um fantasma redivivo, a nomear novas plantas e seres, estrelas e remédios e, aqui e ali, em obras literárias ou processos criminais. Um dos muitos contracensos de uma comunidade cada vez mais global.

Sinceramente, não sei porque escrevo! Alguns dos grandes nomes de nossas letras já afirmaram que o fazem por angústia. Outros mais, quando o momento de inspiração os invade e a vontade de escrever se torna irresistível.
Affonso Romano de Sant'Anna deixou para a posteridade definição magistral:
"quem escreve, o faz para não morrer; quem lê, lê para imaginar que vive" !

De minha parte, o que me move são dois sentimentos tanto opostos quanto indistintos. O intuito, mesmo velado, de apontar êrros, de corrigir o Mundo e, paralelamente, um desejo sutil de "vendetta" diante da impotência (ou inconsciência) geral frente aos fatos da Vida.
Escrever se torna bem menos prazer e lazer do que desabafo indignado (e, por vezes, virulento) por tantos "sapos" e "pepinos" que o Destino nos põe no prato da existência, mesmo quando se está farto.

Rezam as filosofias que o Mundo segue como deve ser -- apesar das guerras, da miséria e das perversões humanas -- mesmo que assim não nos pareça.
Em Belém do Pará um jovem amigo poeta me declarou belo axioma, há mais de dez anos e que jamais esqueci... "o Mal por si mesmo se destrói!" (No caso dele acabou sendo verdade!)
Infelizmente, não tenho passividade ou paciência suficientes para esperar as coisas mudarem por si. Apresento-me, sempre que posso, para dar uma "mãozinha"... empurrando o carro da História e/ou dos desatinos da humanidade um pouco mais rápido para o abismo.
Coisa de libriano perfeccionista, com lua negra (Lilith) em Leão, Dragão de água no horóscopo chinês e pedra e água são duas constantes em nossa vida, como bem percebeu meu irmão gêmeo Renato, espécie de místico anarquista.

Por que escrevo... quando na realidade deveria estar procurando um trabalho ou uma ocupação que me desse o sustento? Por que escrevo... se acredito, como o personagem de William Shakespeare, que "palavras são palavras e nada mais que palavras"?
Por que escrevo... se sei que os livros não mudam sequer as pessoas, quanto mais esse vasto e miserável Mundo? Por que escrevo... se ninguém (exceto eu mesmo) me lê, como sucedeu a tantos antes de mim, como sucederá "per omnia saecula" se o Mundo continuar seguindo seu imutável curso?

Sinceramente, não sei porque escrevo !
Há, é claro, a satisfação do texto bem escrito, do conto bem acabado, com comêço e meio... que o fim é sempre uma incógnita, mesmo para o escritor, acreditem se quiserem.
Pode existir até uma pontinha de inútil vaidade, quando momentâneamente se atinge a tão almejada perfeição, mas tudo acaba logo que se fecha a gaveta, assim que guardamos a pasta de originais, registro & memória que só o Tempo tocará dali por diante, com seus dedos apodrecidos.

Iniciei muito jovem, escrevendo meras cartas de poucas linhas, elogiando a programação das raras Rádios rockeiras do Rio de Janeiro (eram os dourados anos 70!) e fazendo pedidos. Adiante, passaria a me dirigir a grandes empresas cariocas (com cartas redigidas à mão em folha de caderno, imaginem!) solicitando investirem mais no lazer de crianças e jovens das praias da zona sul.
Quando tive um amigo assassinado na saída de um baile funk -- isto em 1977 ! -- escrevi aos grandes jornais alertando para a crescente violência de seus frequentadores e cobrando alguma atitude.

Não sei o que fez de mim um escritor... e numa família em que todos (exceto minha falecida tia Anita) veem a atividade como ato inútil, coisa de preguiçoso, tarefa "que não dá camisa a ninguém".
Trago gravada, entre as imagens da infância, a de meu inchado e avermelhado primo Joãozinho, espécie de cigano andarilho menosprezado por quase todos, escrevendo compulsivamente em blocos de folha de papel grosseiro, dia após dia, só Deus sabe o quê. Ou, então, tocando "violão" com uma cadeira ao colo. Pobre amigo... morreu de cirrose hepática, mas eu já não estava mais na cidade.

Para o bem ou para o mal a AMAZÔNIA -- seja lá o que o têrmo signifique -- fez de mim um escritor. Numa terra com raras empresas de porte e cujo comércio é essencialmente familiar (com emprêgo de parentes próximos e seus agregados) nos sobra a todos um imenso tempo para não se fazer nada.
Quem não é empregado de alguma entidade oficial (federal, estadual ou municipal) está literalmente "na rua da amargura", vivendo de expedientes, com ou sem aspas, muito embora numa terra tradicionalmente "de meio expediente" o "dolce far niente" é geral depois da "meia hora", como se diz por aqui. (Bem, após os dois parágrafos acima, sei que já perdi quase todos os leitores fanáticamente paraenses !)

De qualquer forma, bom, razoável ou ruim, sou um escritor... que me importa se isso pouco ou nada signifique? E, no coração da Amazônia, cuja "capital" é toda arborizada com exemplares que a floresta original não possui, faço destas páginas meu "confiteor", numa visão que pode parecer a alguns parcial ou apressada mas que é visceral e legítimamente minha, sem empréstimo de opiniões (ou de obras) alheias.
Um trabalho quase tão árido quanto esta devastada Amazônia, decantada em prosa e verso, cuja exuberância se imagina mas não se vê.

Sou um escritor amazônico, quer isso me agrade ou não, mas (ainda) não amazônida porque esta agradável vivência próximo (ou dentro) de um pará-íso se transforma, graças a um regionalismo equivocado, numa existência onde as decepções, como as chuvas locais, são diárias, com hora marcada e não falham jamais.
Todo e qualquer escritor teve um guia, alguém mais experiente a lhe apontar caminhos, espécie de "pai" intelectual. Rendo, pois, minhas homenagens ao professor vigiense e poeta maior da "cidade das águas", JOSÉ ILDONE, lá onde a Amazônia existe de fato e de direito e em cujo lugarejo Itaporanga -- pedra bonita, segundo seus legítimos habitantes -- dei meus primeiros passos literários, à sombra de um sem-número de palmeiras e de árvores frutíferas de toda espécie.

Nascido e criado no ex-Morro dos Cabritos, hoje rua Euclides da Rocha, na zona sul do Rio de Janeiro, fui levado com 5 ou 6 anos para a casa dos meus tios, na calma e simpática Rio Negro, no sul do Paraná, com imenso rio de águas marrons e belas pontes de ferro.
Estudamos, eu e meu irmão Renato, o curso primário num colégio de freiras, no extremo norte de Santa Catarina, num vilarejo "polonês" no cume de enorme montanha (Alto Paraguaçu), situado no município de Itaiópolis.
Enfim, uma vida inteira quase como cigano, entre Rio e rios ("parás"), entre águas e pedras ("itas"), entre morros e planícies, entre o sul e o norte como bússola enlouquecida. E, enquanto trabalhava na sede carioca da MRN - Mineração Rio do Norte (viram, eu não disse ?!) me veio repetidas vezes o convite de meu irmão mais velho para vir morar em Belém... do Pará, dos rios, das águas e das pedras.

Aqui estou... e, este livro, que camufla em despretenciosos "contos" muito mais da minha vida (e dessa estupefaciente experiência) do que eu gostaria, tem a decidida intenção de registrar o sucedido.
Claro está que, como criador, é meu dever moldar o real, dar-lhe nova roupagem e "com a liberdade que o devaneio proporciona" (obrigado, João de Jesus Paes Loureiro!) redirecionar uma realidade mesquinha e por vezes angustiante para o terreno da arte literária, da metáfora, do imaginário.

É do poeta insígne de "Altar em Chamas", mais amazônida do que nunca, a explicação definitiva: "Na cultura paraense-amazônica o ilógico explica o lógico, o possível revela o real, o devaneio torna-se meditação, a relação maravilhada com as coisas converte-se em método criador. A arte no Pará é o lugar privilegiado dessa TRANSREALIDADE, que está no âmago de nosso pensamento, como coincidência de opostos: do real e o imaginário. (...) A realidade torna-se incrível e o imaginário credível. Vivendo no particular, temos o prazer do desmedido". (in "Arte e Desenvolvimento", pag. 20, Cadernos IAP, vol. 2, Belém/1999)

"QUASE NADA..." é um modesto escrito, sem pretensão à grande obra literária, de um Autor que só estudou até o 2º ano do antigo Curso Ginasial (agora, 6ª série). Entretanto, nem por isso deixou de aprender na "universidade da vida", que dá conhecimentos mas não confere diplomas.
Hoje, sou espécie de coruja de olhos arregalados para os seres (e os fatos) da Vida, tentando se possível fazer alguma prêsa. Se você vai aventurar-se por entre estas "espinhosas" páginas esteja atento mas, mesmo assim, chegará ao fim da jornada com alguns "arranhões".
Em certos casos, deixará pelo caminho algum pedaço... do cérebro ou do coração.Siga em frente! Contudo, cuidado com os cachorros... êles costumam ser mais humanos que seus donos e isso é insuportável !

ANANINDEUA, Pará, BRASIL, dezembro de 2000

"NATO" AZEVEDO (poeta e escritor)

MANJAR CELESTIAL

MANJAR CELESTIAL

Diz um velho ditado popular que "quem narra um conto aumenta um ponto" mas, no presente caso, aumentei em muito as 3 ou 4 linhas encontradas num velho alfarrábio, que registrava para a posteridade as peripécias e os valorosos feitos de um desbravador jesuita nas plagas até então desconhecidas da Terra do Pau-Brasil... e de outros paus menos votados.
Surgia mais um sol primaveril a aquecer os costados floridos do gigante deitado eternamente em berço esplêndido e o Novo Mundo descobria, boquiaberto de espanto, que havia mais que água e gaivotas ao norte da linha do Equador.

Havia homens barbudos e mal-cheirosos, enrolados em toneladas de tecidos coloridos, vindos meio século antes em enormes "pirogas" movidas a velas & cordames, para convencer canibais em pêlo a cobrir suas "vergonhas" e, por fim, a crer que outro deus maior do que Tupã exigia a construção de imensas ocas onde ninguém morava, além de estátuas e cruzes.
Frei Barnabé Tello recebeu a dádiva divina de ser um dos primeiros missionários a pisar nas terras até então pagãs e começou com presteza uma abençoada catequese que prosperou de tal maneira que quase aposentou o temido pajé da tribo dos patas-chocas, no litoral baiano, reduzido depois da intromissão do jesuíta a mero curandeiro receitador de mezinhas e garrafadas, isto para não ficar desempregado pois a Igreja sempre se preocupou com a classe trabalhadora.

Muita gente na aldeia admirava aquele espantalho esquelético, de olhar perdido na distância, a mesma grosseira e surrada batina o ano inteiro, se sacrificando em prol de todos, sem jamais pensar em si. A taba ficara famosa nas redondezas com a presença e as realizações do sacerdote, algumas curas milagrosas segundo a plebe ignara, além de reformas gerais em tudo.
Contudo, nem todos estavam satisfeitos com o andar... da carruagem, digo, do caraíba invasor, entre êles o velho chefe, tuxaua de muitas luas, o cacique "Raposa Vermelha", infeliz por ver extintos seus mais gratos costumes como o de fazer e beber cauím, andar como Adão no Paraíso (e não com aqueles trapos ridículos), ter várias concubinas, fora a deliciosa tradição de desvirginar cunhãs por diversos machos.

Nayara, filha única e dileta do cacique era um esplendor, deusa feminina e bela, orgulho da tribo, uma amazona completa, guerreira sem igual na região, cantada em verso e prosa. Foi o padre bater os iluminados olhos na beldade e jurar a si mesmo conquistá-la para a seara do Senhor, seu mais agradável troféu a culminar um trabalho de catequese que já durava dez anos.
O frade acompanhara o desabrochar daquela cobiçada flôr das selvas, com o homem dentro de si quase desperto ao admirar as belas formas sendo acariciadas pelas águas, no banho diário no rio da aldeia.

Nestas horas, o crucifixo ardia-lhe sobre o peito hirsuto, enquanto seu voto de castidade naufragava sobre sensuais ondas de pensamentos impuros e desejos inconfessáveis. Nayara não lhe era de todo indiferente, o jesuita servia a seus propósitos de causar ciúmes aos maiorais da tribo, entre os quais estaria seu futuro esposo.
Daí, frequentemente acompanhava o pregador em suas andanças e catequeses, ouvia mortificada a lenga-lenga religiosa e, vez ou outra, frequentava o ritual litúrgico, do qual não entendia patavina. Já Frei Barnabé, fiel a seu juramento, sepultava nos porões do inconsciente o prazer sexual que sua companhia lhe trazia.

Sumiram no horizonte diversos invernos, Nayara casou, teve filhos que o frade batizou com a graça de Deus e, com o falecimento do idoso pai, a temida amazona passou a reinar, assistida pelo marido, que em tudo a ouvia e seguia.
Como primeiro decreto Nayara pôz meia aldeia à disposição do missionário e ela mesma transformou-se na maior das devotas, não perdendo uma missa sequer. O pajé foi "promovido" a varredor de vielas da taba, enquanto a guerreira armava os espíritos para tornar os patas-chocas o terror daquela área.

A pedido do frade, a aldeia encheu-se de gentios capturados em tribos vizinhas e de negros dos primeiros quilombos que o Nordeste viu nascer, todos "empregados" a serviço do Senhor.
Com a força escrava construi-se o primeiro colégio da região -- pago, é claro, e só para os filhos dos "galegos" -- além de uma rendosa usina de açúcar, padaria, hospital, um ferreiro e a suntuosa Matriz, marco da nóvel província, tudo para a glória de Deus.

Até que um dia... um Deus certamente canhoto, escrevendo torto por barrocas linhas, fez com que Nayara voltasse de uma daquelas refregas mortalmente ferida, o fatal curare da flecha assassina a corroer-lhe o último sôpro de vida.
De nada adiantou o emprêgo dos renomados remédios trazidos de Coimbra ou o quinino e a morfina importados de França. Nem as rezas do decrépito pajé, suas defumações e emplastros resolveram qualquer coisa.

Já nos estertores da morte, logo após a extrema-unção, a jovem sussurra ao jesuita seu último pedido, o derradeiro desejo, o testemunho mais sincero:
-- "Meu bom homem, daria tudo o que fui na vida, a fama e as conquistas, o que tenho e o que fiz, trocaria minha fé por um dedinho gordinho de um curumim caraíba bem assado, com ervas aromáticas e pimenta brava. Que o seu Deus me perdoe... é isso o que eu quero"!

O jesuíta deu um urro de estupor, enquanto o céu caía-lhe sobre a encanecida cabeça e o chão lhe faltava sob os maltratados pés. Acordou "lelé", biruta, resmungando frases desconexas em latim, grego e francês.
A balzaquiana Nayara foi sepultada em rica urna funerária, com honras de cacique e tomaram as rédeas do próspero vilarejo indígena o antes desmoralizado pajé e o viúvo da índia. O missionário macambúzio foi posto a correr do local a tacape, a escravaria libertada, tudo o mais destruído e, pouco tempo depois, não havia um só sinal do homem branco na aldeia, exceto um ou outro vocábulo em bom vernáculo.

Quando uma nova caravela aportou à região os silvícolas rasparam os caldeirões enferrujados pelo desuso, fizeram esplêndida recepção aos navegantes com iguarias e frutas e, depois, os exterminaram todos, inclusive uma espécie de pavão bem alimentado que os demais tratavam com cerimônia e ao qual chamavam de "Dom Sardinha".
O ex-bispo ficou para sobremesa e aos canibais empanturrados o "acepipe" caraíba tinha o suave sabor de um manjar celestial.
Nayara, presente em espírito, deliciou-se com a cena !
"NATO" AZEVEDO