segunda-feira, 20 de abril de 2009

MINIDRAMA EM 2 ATOS


MINIDRAMA EM 2 ATOS


ABERTURA -- INGLÓRIO CREPÚSCULO
Estava realizado, cumprira sua missão na face da Terra. Plantara árvores (entre outras tantas coisas), tivera filhos e, por fim, escrevera um livro, todas elas tarefas considerávelmente difíceis, cada qual lhe exigindo sempre maior esfôrço. Acariciava nos braços sua mais acalentada obra, nove meses de ansiosa gestação, de agoniada espera, com o rebento desenvolvendo-se a cada hora, dia após dia. Os méritos daquele nascimento eram quase todos seus, se bem que a espôsa teve importante participação na produção do "caçulinha", sonhada cria há tanto planejada.

No pequeno corpo que o fitava mudo e têso aninhavam-se seus mais secretos anseios, portava o minúsculo ser os sonhos e os desejos do envaidecido pai, seus medos e segredos, suas crenças e sua fé.
Criador e criatura exibiram-se ao Mundo, à vizinhança que os acarinhou e até a desconhecidos que os ignoraram ou desdenharam. Pai e filho andaram por todo canto, autor e obra mostrando-se sem pejo a quem os quizesse ver... por vezes, mesmo a quem nada queria com ambos.

O tempo zuniu como um avião à jato sobre exíguo pátio de colégio e o filho foi perdendo os encantos junto ao pai, que sonhara ver seu nome cruzar mil fronteiras levado através de sua obra maior, com os seus pensamentos, opiniões e filosofia divulgados mundo afora pela "carne" de sua carne.
Amargurado com o insucesso, levou seu pupilo às escolas do bairro, conduziu-o aos mais importantes colégios da capital, apresentou-o até em modestas bibliotecas do interior, a fim de que admirassem nele a sabedoria (do pai?!) e o conhecimento. Foram ignorados em alguns lugares, recebidos com irônico desdém em outros ou mesmo com falso interêsse aqui e ali, que o Mundo sabe ser cruel.

Deixou-o finalmente em longínquo mosteiro, repousando já meia eternidade sobre íngreme encosta e, somente lá, pai e cria foram atendidos com humanidade. Assentiu o monge em dar à jovem promessa de sucesso toda a atenção, tratá-lo com carinho, avaliar nele os conhecimentos e o conteúdo, apreciar suas qualidades e, mais adiante, explanar ao desanimado pai suas conclusões.
Enquanto isso, a singela obra que o gênero humano trouxera à luz um dia estaria entre irmãos, com um cantinho só seu, ao lado de volumosos amigos com vestes em seda e ouro e de esquálidos e pálidos como êle, de modesta roupagem.

O Tempo escorreu como água entre os dedos, transmutou-se em anos, depois em lustros e decênios, com o pai desiludido sem coragem nem ânimo para saber de sua criação. No silêncio da clausura, mudo e só como os demais a seu lado, envelheceu à sombra bruxuleante da luz de velas, amarelou com a úmida penumbra, enrugou-se até que os germes e vermes do princípio das eras iniciassem macabro banquete, devorando-o em vida.
Definhou lentamente, sem nenhum escarcéu.

Certo dia no convento, sai esbaforido da biblioteca escura e vazia um jovem frade, levando entre os braços velho livreto carcomido por cupins e traças, a capa enegrecida pelos restos dos terríveis roedores.
-- "Prior Nicodemos, olhe o que sucedeu ao pobre livrinho... foi praticamente destruído" !
-- "Calma, irmão Ângelo! Para tudo há consêrto na vida. Convoque outros frades e façam uma revisão geral de todo nosso acêrvo. Quanto a esta obra, bem me lembro dela. Um jovem escritor a trouxe, muitos e muitos anos atrás, para que opinássemos sobre ela. Nunca mais voltou! Coitado do livro do rapaz... que triste fim!
Junte-o aos demais volumes imprestáveis e toque-lhes fogo. Precisamos exterminar sem demora essa praga"!

ATO FINAL -- SAGA SEM LIMITE

-- "Somos quase tão antigos quanto o Universo...já estávamos no paraíso quando Deus criou os demais seres do Éden. Meus ancestrais espalharam-se pelo mundo, viajaram com Noé na arca sagrada, avançaram sobre todos os continentes, povoaram a Terra enfrentando todo tipo de dificuldade, os mais diversos inimigos.
Evoluímos bem mais que as demais raças, nos estruturamos enquanto população em constante crescimento, criamos castas distintas que atuam, sem falhas, para o bem comum: trabalhadores braçais, dirigentes, soldados, gerentes, dispenseiros, babás de ambos os sexos... temos até mesmo uma rainha" !

-- "Orientais ou ocidentais, claros ou escuros, pouco importa a côr, a raça ou a origem de nossos companheiros de luta diária. Nossa união é nossa força e, desde que não nos invadam o território, vivemos em paz com todos, colhendo verduras e frutas, transportando carne, cereais ou condimentos.
Espécie de bandeirantes milenares, já armazenávamos alimentos em silos subterrâneos à prova d'água quando um faraó bíblico resolveu nos imitar e ficou famoso".

-- "Temos espiões em toda parte, talvez até na Lua, com faro e experiência para localizar novas fontes de alimentos, onde quer que estejam, por mais protegidas, porque nada resiste à nossa invest... oh, oh, oh, alerta, rapazes... corram, meninas... aí vem uma enchente terrível. Socorro, socor... glub, glub, glub" !
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-- "Júnioooor, fecha essa torneira e sai já da cozinha. Quantas vezes terei que dizer que não quero ver você brincando com água"?
-- "Mas, mamãe, eu só fui lavar meu copo de suco que estava todo cheio de formigas" !
"NATO" AZEVEDO

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