sábado, 18 de abril de 2009

UM ASSASSINO EM POTENCIAL

UM ASSASSINO EM POTENCIAL

Esse texto foi escrito entre meados de 1969 e início de 1970 e só faz parte deste livro em razão do tema central, que tem tudo a vercom o espírito que norteia a presente obra.Hoje, eu não saberia explicar sequer o título,mas esse arremedo de conto vai impresso quase sem nenhuma correção, exceto pela substituição de alguns adjetivos e substantivos exageradamente repetidos e pela exclusão de vírgulas que atrapalhavam a leitura. Trata-se de minha primeira incursão pelo reino da Literatura e pode servir de parâmetro para avaliar meu progresso nessa área.


UM ASSASSINO EM POTENCIAL

Na vizinha vila de Santa Maria -- modesta cidade industrial no sul do país -- o astro-rei iluminava o pequeno vale, em toda a sua extensão, realçando as vivas cores das graciosas casinhas que nele assentavam. A exata colocação delas em meio a floreados jardins e o belo colorido que possuíam davam ao verde vale as perfeitas carcterísticas de uma ondulada campina francesa ou, talvez, suiça.
À sombra de escuras montanhas o vale, iluminado por um sol primaveril, possuía a feliz e tranquila aparência de um bebê, embora embalado por monstros descomunais.

Apesar de hora tão matinal, o movimento nas estreitas e poeirentas ruas embora inusitado era, já, bastante volumoso. Mulheres de lata à cabeça, homens de laço à cintura -- calça e blusão de couro, rústico e amarfanhado -- crianças e jovens, enfim, pessoas de todas as idades acorriam a ver o que houvera.
Embora ignorassem o que se dera, dirigiam-se em peso para a praça, curiosos por saberem a causa de tanta balbúrdia. A praça situava-se no centro da vila e, depois da igreja que nela assentava, era o local mais procurado pelos curiosose, sobretudo, por crianças.

Nesse momento ela era palco de estridente sinfonia de vozes adultas e infantis. E, dentre elas, destacavam-se murmúrios e imprecações, gritos e gemidos, além de intenso alarido feito por mães preocupadas à procura de seus filhos. A causa de tal algazarra ali estava, defronte a êles, pendurada à cruz do átrio da igreja.
Sim, pregado na cruz que um abnegado missionário plantara -- quando, decidindo civilizar os habitantes daquelas ignotas terras, escalara escarpadas montanhas e se internara no, até então, isolado vale -- com os membros já frouxos e pendentes pela nefasta ação da morte se encontrava um corpo.E a pergunta que, com curiosa insistência, todos repetiam era:
-- "Que monstro teria cometido aquele sangrento assassínio"?
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Voltemos no tempo à tarde do dia anterior.
Numa das várias casas existentes na pequena cidade, cujas janelas contrastavam perfeitamente com a alvura das paredes, passava-se um fato curioso e que seria a causa de todos os acontecimentos posteriores. A referida casa possuía comprida varanda que, seguindo junto à parede, dobrava em ângulo de noventa graus.
Frente a ela estendia-se extensa campina, recoberta por viçosa grama e semeada de grotescos arbustos.
Na parte fronteira da dita varanda havia várias gaiolas e, sentado em uma rústica cadeira, um garoto consertava uma delas. Dezenas de pássaros chilreavam em bonitas gaiolas, espalhadas por toda a varanda. Primavam pela linda plumagem e sonoro gorjeio e seu dono -- de doze anos, moreno, olhos vivos e fortes embora ainda pequeno -- orgulhava-se deles.

Frequentava a escola da aldeia e, por conseguinte, soubera que vários pássaros de seus colegas sumiam, para encontrarem, dias depois, somente a cabeça, os membros e algumas esparsas penas. Por esta razão êle andava agora com um pontiagudo facão à cintura, atento aos menores ruídos e usando das maiores precauções na proteção a seus queridos pássaros. E, consertando a gaiola, refletia sobre os perigos que êle e seus pássaros corriam, quando chegou a seus ouvidos o plagente e abafado pio de uma avezinha.

De onde estava não podia ver o que se passava na parte final da varanda de modo que, largando precipitadamente a gaiola, se dirigiu apressado para a parte posterior da casa. Tarde demais! Na gaiola que estava sobre uma mesa viam-se, além da portinhola aberta, algumas penas minúsculas e coloridas.
Desesperado e, sobretudo, irado, foi em perseguição ao impiedoso gatuno. Armou-se com uma atiradeira e, dirigindo-se para onde vira desaparecerseu inimigo, tomou a mesma direção. Muito tempo depois, com as costas e a face lanhadas pelos golpes nos arbustos, maldizendo anjos e demônios e quando já desistia de continuar a busca, entreviu o objeto de tantas discussões (e ameaças) com seus colegas sumindo entre as cerradas sebes que formavam a verde paisagem da campina.

Correu em seu encalço e, então, vislumbrou de corpo inteiro o ignominioso ladrão que tão selvagemente matava as pobres avezinhas. Analisando detidamente seu inimigo, notou seu andar cauteloso e seu corpo longo e esguio, de cor negra e luzidia. Os músculos, que sobressaíam das costas e pernas, davam-lhe um aspecto de força e agilidade. Sua cabeça angulosa e curta, cujo nariz era achatada, movia-se constantemente para os lados, temendo algum perseguidor.
Os olhos oblíquos, de pupilas pretas e grandes como azeitonas, giravam incessantemente, ora para um lado, ora para outro. Subitamente êle estaca, atento ao menor barulho e o garoto, imitando-o, imobiliza-se atrás da sebe na qual se achava, armando sem ruído sua pequena mas terrível arma.

Agachado, o gatuno tentanva adivinhar de onde vinham e o que significavam os estranhos sons que ouvia. Mal sabia êle que receberia na nuca, poucos segundos depois, o impacto do projétil da arma cujos ruídos tanto o preocupavam. Oculto por densas sebes o menino esticara ao máximo sua atiradeira e, pondo-lhe rotunda pedra, armara cuidadosa pontaria.
Sua mão tremia ligeiramente ao tentar como alvo um objeto tão móbil como o era a cabeça de seu adversário. Contando mental e vagarosamente até três, soltou o projétil. O lance não poderia ter sido melhor.

O ladrão deu um berro de pânico e dor e, perdendo o equilíbrio, caiu ao chão, fato do qual se aproveitou o menino -- largando precipitadamente sua arma -- para pular-lhe em cima e, ao mesmo tempo, tentar estrangulá-lo. O larápio reagiu, arranhando-o com suas pontiagudas unhas e até tentando mordê-lo.Por fim o garoto, sangando e irado, tirou da bainha a sa inseparável faca de dois gumes e transpassou com ela o peito do adversário, que estrebuchou às portas da morte.
Horríveis ruídos escaparam sa garganta da vítima mas, aos poucos, diminuíram até cessarem de todo. Mesmo assim, tomado de ódio insano e incontrolável, continuou a furá-lo repetidas vezes. Era um monstruoso espetáculo, sendo impossível acreditar que aquele comportado menino fosse capaz de tão sangrenta vingança.
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Um odor fétido e nauseante exalava dos intestinos do cadáver, perfurados e mostrando em toda sua extensão excrementos abjetos e restos alimentícios decompostos. E, sobre o repugnante quadro, moscas negras e ruidosas passeavam, voejando em torno daquilo que era, para elas, um lauto e delicioso banquete.
Era uma cena insuportável, pois o corpo mutilado e sanguinolento que pregado na cruz se via não era -- creiam-me -- senão o de um... gato !

"NATO" AZEVEDO

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